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Entrevista

 

OS PRIMEIROS PASSOS DA ARBITRAGEM

Dra. Selma Maria Ferreira Lemes
Conselheira da Câmara Ciesp/Fiesp. Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutora em Integração da América Latina pela mesma instituição. Árbitra e advogada.

 

Você participou da elaboração do projeto que levou à aprovação da Lei de Arbitragem no Brasil. As entidades Ciesp/Fiesp acompanharam ou apoiaram a atividade legislativa de alguma maneira?

Sim, o apoio do Ciesp e da Fiesp foi integral, desde o primeiro momento que nos engajamos na denominada Operação Arbiter capitaneada pelo saudoso advogado pernambucano Petrônio Muniz. Integraram a Comissão de Redação do Anteprojeto de Lei de Arbitragem Carlos Alberto Carmona, Pedro Batista Martins e eu. O senador Marco Maciel foi o autor do Projeto da Lei de arbitragem (PL) em 1992. Durante a tramitação do PL ele ocupava a vice-presidente da República.

No ato de promulgação da Lei de Arbitragem em 1996, em Brasília, no Palácio do Planalto, fomos juntos para a solenidade oficial com o então presidente do Ciesp/Fiesp, Dr. Carlos Eduardo Moreira Ferreira.


A Câmara Ciesp/Fiesp foi criada em 1995, antes mesmo da aprovação da Lei de Arbitragem, quais os motivos que levaram à criação da Câmara? Qual foi sua participação na criação da Câmara?

Desde os bancos acadêmicos na Faculdade de Direito da USP tive interesse sobre arbitragem comercial internacional. A matéria era quase inexistente na prática jurídica brasileira, inclusive a literatura era escassa. Comecei aprofundar-me no tema estudando na biblioteca da Faculdade.

Quando ingressei no Departamento Jurídico das entidades Ciesp/Fiesp em 1987, nesse mesmo ano surgiu um convite da Organização dos Estados Americanos – OEA para as entidades indicarem um representante para um congresso de arbitragem internacional na Guatemala. Candidatei-me e lá, tive contado com os juristas que conhecia por seus livros. E, por meio do secretário geral da CCI na época, Guilhermo Aguilar Alvarez, surgiu o convite para fazer um estágio na Corte Internacional de Arbitragem da CCI em Paris (CCI).

Em 1990, já com a ideia de instituir uma Câmara de Arbitragem no Ciesp e na Fiesp, obtive a aprovação pela presidência das entidades para seguir em frente. Com o auxílio das entidades fui para Paris efetuar o estágio na CCI, com a finalidade de complementar os conhecimentos teóricos com a prática da arbitragem. Um mundo se abriu para mim com o acesso à vibrante operacionalização da arbitragem comercial internacional.

Quando retornei, colocamos em operação o projeto de instituição da Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo. Foi essa sua primeira denominação. Redigimos suas normas de funcionamento, regulamentos de mediação, arbitragem e arbitragem expedita, este último inédito no Brasil.

Em maio de 1995 a Câmara iniciou sua operação e foi precedida de inauguração, contando com a participação de autoridades dos poderes judiciário e executivo e grande divulgação na mídia da época.

Durante todo esse período as entidades auxiliaram no apoio da tramitação do PL de arbitragem, que levou mais de 4 anos para se tornar Lei. Além disso, a Câmara iniciou um processo de difusão do instituto da arbitragem junto ao empresariado brasileiro.


Em sua opinião, é possível afirmar que a arbitragem é um instituto de sucesso no Brasil? Qual a importância da Câmara Ciesp/Fiesp neste cenário?

Não há dúvida que a arbitragem é um instrumento de sucesso no Brasil. Saímos do zero quando a Lei de Arbitragem entrou em vigor em 1996 e, em poucos anos, atingimos patamares inimagináveis. O apoio do Judiciário, a adesão do setor empresarial, dos advogados, da academia e dos estudantes de direito foram decisivos para esse sucesso. O Brasil representa hoje no cenário internacional um case de estudo e exemplo a ser seguido.

A Câmara de Arbitragem Ciesp/Fiesp tem nessa história importante protagonismo, como acima mencionado. Há 15 anos efetuamos uma pesquisa anual denominada Arbitragem em Números e Valores, para avaliar o volume de arbitragens e valores nelas envolvidos. A Câmara Ciesp/Fiesp sempre esteve entre as duas mais importantes Câmaras brasileiras.

As instituições que administram arbitragens devem estar em compasso com os avanços e demandas existentes na prática da arbitragem, bem como estarem prontas para aperfeiçoar os serviços oferecidos. Um bom exemplo foi a instituição na Câmara Ciesp/Fiesp do Regulamento de Árbitro Provisório, ou seja, a possibilidade de as partes valerem-se de um arbitro de emergência para ditar uma medida de urgentes anteriores ao processo arbitral a ser instaurado. Rapidamente essa prática vem sendo utilizada pelas empresas que incluíram em seus contratos a cláusula compromissória elegendo o Regulamento da Câmara Ciesp/Fiesp para administrar arbitragens.


Em sua opinião, quais são as perspectivas para o desenvolvimento da arbitragem nos próximos anos?

Considerando a complexidade dos contratos empresariais, as qualidades de rapidez e agilidade do procedimento arbitral comparado com o judiciário, bem como a especialidade dos árbitros nas matérias tratadas, este mercado tende a crescer, pois no âmbito empresarial a arbitragem é analisada como um redutor dos custos de transação. Ela, além de ser uma cláusula jurídica de solução de conflitos indicada em contratos é, também, considerada uma cláusula financeira, pois, como dito, integra os custos de transação.

Na arbitragem a noção de tempo é perfeitamente quantificável, pois se sabe quando começa e termina com a sentença arbitral ditada. Pode-se dizer que a média de tempo de um processo arbitral, desde a assinatura do Termo de Arbitragem é de 18 meses. No Judiciário, seria, no mínimo o dobro ou até o triplo desse tempo. Nessa ótica, mesmo sendo mais alto o custo de um processo arbitral ele é vantajoso em razão do custo de oportunidade, na linguagem da Análise Econômica do Direito.


Você acredita que há ainda resistência das partes e advogados em dar prosseguimento às arbitragens, abrindo a discussão sobre a jurisdição do caso? Da mesma forma, há resistência no cumprimento das decisões do Tribunal Arbitral?

Considerando que já temos a arbitragem arraigada na cultura jurídica brasileira na área empresarial e, em face do comportamento do judiciário, que cada vez mais inibe atitudes impróprias e muitas vezes oportunistas de resistência à arbitragem, parece-me que são poucos os casos de insurgência contra a instauração da arbitragem. Todavia, há de se recordar que ninguém é obrigado a eleger a arbitragem para solucionar conflitos contratuais, mas se por ela optou estará obrigado a acatá-la, ou seja, o Judiciário está impedido de analisar o conflito nessa fase.

Em São Paulo, em que temos as Varas Empresariais e de Arbitragem, os juízes estão bem afeitos ao instituto e ao receberem ações anulatórias que não se adequam aos motivos legais (art. 32 da Lei de Arbitragem), julgam improcedentes as demandas. As estatísticas dessas varas demonstram que a maioria das demandas referentes à arbitragem dizem respeito às medidas de urgência prévias à arbitragem e não de anulação de sentenças arbitrais. Em decorrência, podendo-se inferir que as sentenças arbitrais são, na sua grande maioria, cumpridas.


A Covid-19 causará impactos na arbitragem?

Parece-me que com a pandemia do coronavírus os reflexos decorrentes de incumprimentos contratuais serão imensos e haverá uma pletora de demandas arbitrais, bem como de procedimentos de mediação, instituto este até o momento muito pouco utilizado no Brasil.

 

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