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Entrevista

 

ARBITRAGEM: PASSADO, PRESENTE E FUTURO

Pedro Antônio Batista Martins
Conselheiro da Câmara Ciesp/Fiesp, advogado, consultor, árbitro e parecerista.

 

Você participou da elaboração do projeto que levou à aprovação da Lei de Arbitragem no Brasil. Qual era o cenário político em relação à arbitragem naquele momento e quais foram os desafios encontrados? As entidades Ciesp/Fiesp acompanharam ou apoiaram a atividade legislativa de alguma maneira?

O cenário à época era bastante avesso à arbitragem, cujas vantagens eram vistas por possivelmente não mais do que dez profissionais do Direito no Brasil. O instituto sequer era mencionado nas Faculdades de Direito e apenas alguns artigos e menos do que cinco livros tratavam do tema. Nada obstante, na década de 70, com a contratação pelas empresas estatais de empréstimos internacionais com a garantia da União Federal, a inclusão de cláusula de arbitragem nestes instrumentos é excepcionalmente admitida, dada a pressão dos credores estrangeiros.

Em 1980, três anteprojetos de lei foram elaborados, mas nenhum deles chegou a ser encaminhado pelo Ministério da Justiça ao Congresso Nacional.

Quanto aos obstáculos, o primeiro dizia respeito à constitucionalidade do instituto, por força do afastamento do Poder Judiciário. A outra – subjacente à constitucionalidade – foi a de conferir plena eficácia à cláusula compromissória.

O cenário político era bastante sensível, o que levou a Comissão Relatora a manter alguns conceitos já existentes e a trabalhar em um anteprojeto que fosse suprapartidário, de forma a que a tramitação no Congresso Nacional ocorresse da forma mais suave possível. Sabíamos que tramitar no Congresso Nacional uma lei dessa magnitude poderia gerar uma série de discussões e percalços. Por exemplo, pensamos em acabar com a figura do compromisso, mas preferimos mantê-la porque na época o pequeno e raro contato que alguns poucos operadores do Direito tinham com a arbitragem fundava-se exatamente na figura do compromisso. Na época, era o instrumento que viabilizava a instituição da arbitragem, então o preservamos.

Algumas entidades acompanharam e apoiaram a iniciativa, inclusive Ciesp e Fiesp, que tinham a Selma Lemes como uma de suas advogadas. Portanto, o apoio das entidades se deu logo no primeiro momento, tendo redundado na constituição da Câmara Ciesp/Fiesp.


Em sua opinião, é possível afirmar que a arbitragem é um instituto de sucesso no Brasil? Qual a importância da Câmara Ciesp/Fiesp neste cenário?

Se aproximadamente 28 anos atrás o instituto da arbitragem era visto apenas como meio necessário para a atração de investimentos e players de forma a otimizar o programa de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, hoje já é percebido pelas suas virtudes, como meio rápido e eficiente de solução de conflitos, utilizando-se de especialistas nos temas em debate.

Hoje em dia vários escritórios de advocacia têm equipes inteiramente dedicadas à resolução de disputas por arbitragem. E até mesmo aqueles escritórios que não as possuem estão atuando em procedimentos arbitrais, abandonando hábitos e preconceitos adquiridos em décadas de litígios judiciais.

Grande parte desse avanço positivo da arbitragem no Brasil se deve ao consistente esforço das instituições arbitrais brasileiras para melhorar a qualidade de seus serviços por meio de uma série de medidas, incluindo, dentre outras, a revisão de suas regras, a expansão e o treinamento de seu secretariado e o estabelecimento de modernos espaços para audiências.

Dentre essas instituições emerge a Câmara Ciesp/Fiesp, uma das pioneiras câmaras de arbitragem do Brasil, com administração qualificada e experiente, que vem difundindo o instituto através de um trabalho sério e competente, e com a realização de cursos, seminários e mesas redondas.


E quanto aos árbitros?

O número um tanto limitado que existia há 24 anos foi muito expandido, com mais e mais advogados experientes, acadêmicos e juízes aposentados – entre esses até mesmo alguns do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça – atuando em processos arbitrais.

O número de Faculdades de Direito que incluem a arbitragem em seus disciplinas também cresceu acentuadamente, e mesmo aquelas que não têm cursos regulares sobre o assunto participam cada vez mais de competições de arbitragem.

Atualmente, também temos muitos livros, duas revistas periódicas e centenas de palestras, cursos e discussões qualificadas sobre o tema e suas minúcias, para os quais muito contribuiu o trabalho sério e consistente do Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr, que reúne um crescente número de interessados no estudo e na prática da arbitragem. Igualmente impressionantes são os valores em disputa, que atingiram aproximadamente R$26 bilhões nos procedimentos em curso em 2017 nas 6 instituições brasileiras mais relevantes. Um incremento de quase 10 vezes em 7 anos.


Quais são as perspectivas para o desenvolvimento da arbitragem nos próximos anos? É um mercado que tende a crescer? Ainda existem entraves para o desenvolvimento do instituto no Brasil?

A arbitragem continuará crescendo, mas – creio – chegará uma hora que o crescimento será um pouco menor em termos comparativos aos atuais. O desafio é não perder a qualidade, com a consequente possibilidade de perda do apoio do empresariado e, em última instância, do Poder Judiciário.

Enfim, passados mais de 20 anos da edição da Lei Marco Maciel e de centenas de processos arbitrais já resolvidos, anima perceber o quanto árbitros, instituições, advogados e partes angariaram em experiência e têm ajudado a consolidar e aperfeiçoar a prática arbitral no país.

É notável a evolução administrativa de câmaras de arbitragem, notadamente do pessoal de apoio. Também visível a melhoria dos aparatos, estruturas e regulamentos dessas instituições.

Outrossim, a qualidade dos profissionais envolvidos nesse ramo do Direito é inegável. Os advogados têm tido papel de relevo no aperfeiçoamento do exercício da advocacia na seara do contencioso arbitral.

No entanto, não podemos olvidar que a prática arbitral ainda merece alguns acertos para melhor atender aos fins a que se propõe. Como em toda atividade, equívocos existem e devem ser encarados de frente pelos operadores de forma a superá-los sem maiores entraves.

Diante das estatísticas que demonstram o aumento no número de procedimentos e nos valores envolvidos, podemos admitar que a arbitragem veio para ficar e tem tendência de alta para o futuro.

Futuro este que está em boas mãos, pois os jovens encamparam a arbitragem com carinho e coração, como demonstram as competições em fóruns nacionais e internacionais e os grupos de estudos e debates em que estão envolvidos.


Qual a importância do Poder Judiciário e da jurisprudência dos tribunais brasileiros para a consolidação da arbitragem?

De início, diga-se que a arbitragem não se sustenta sem o apoio do Poder Judiciário. Nesse particular, foi marcante perceber a receptividade que o instituto obteve junto aos Ministros do Superior Tribunal de Justiça. De sua jurisprudência firme e consistente emergiu a tão almejada segurança jurídica, e com ela o país passou a ser considerado “amigo da arbitragem”.

Essa circunstância traduz-se em grande facilitador para o incremento do tráfego comercial e da captação de recursos estrangeiros, e tem sido vocalizada nas conferências e fóruns de debates internacionais e nacionais.

Outrossim, com a transferência do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça, em 2004, da competência para reconhecer e homologar sentenças arbitrais estrangeiras, essa Corte alterou jurisprudência, antiga e retrógrada, para modernizá-la sob novos ares e liberta de indesejável conservadorismo.

Essa realidade traduz-se na segurança jurídica que toda e qualquer pessoa – e, mais ainda, a estrangeira – deseja encontrar no território em que estabelece parcerias e negócios.

De outro, a participação de ministros do STJ em simpósios sobre arbitragem e em cujas apresentações e debates são expostos pontos de vista positivos ao instituto resultam em também positiva e subliminar mensagem para as demais instâncias do Poder Judiciário. No mesmo sentido, os artigos e as entrevistas de ministros e juízes atuais e aposentados do Poder Judiciário.

De outro lado, o Poder Judiciário tem papel relevante para a consolidação da arbitragem por meio de decisões consistentes e coerentes com os pressupostos que orientam a Lei de Arbitragem.

 

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